segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Macau, a falta d'água e o Ensaio Sobre a Cegueira

Ultimamente tenho visto a crise hídrica na cidade de Macau e é impossível não lembrar do livro do escritor português José Saramago intitulado Ensaio Sobre a Cegueira, publicado pela primeira vez no ano de 1995, traduzido para diversas línguas o romance se tornou filme em 2008 dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles.
A cegueira começa num único homem, durante a sua rotina habitual. Quando está sentado em seu carro no semáforo, este homem tem um ataque de cegueira, e é aí, com as pessoas que correm em seu socorro que uma cadeia sucessiva de cegueira se forma… alastra-se rapidamente em forma de epidemia. O governo decide agir, e as pessoas infectadas são colocadas em uma quarentena com recursos limitados que irá desvendar aos poucos as características primitivas do ser humano.

A força da epidemia não diminui com as atitudes tomadas pelo governo e depressa o mundo se torna cego, onde apenas uma mulher, misteriosa e secretamente manterá a sua visão, enfrentando todos os horrores que serão causados, presenciando visualmente todos os sentimentos que se desenrolam na obra: poder, obediência, ganância, carinho, desejo, vergonha; dominadores, dominados, subjugadores e subjugados.
Saramago mostra, através desta obra intensiva e sofrida, as reações do ser humano às necessidades, à incapacidade, à impotência, ao desprezo e ao abandono. Leva-nos também a refletir sobre a moral, costumes, ética e preconceito através dos olhos da personagem principal que se depara ao longo da narrativa com situações inadmissíveis; mata para se preservar e aos demais, depara-se com a morte de maneiras bizarras, como cadáveres espalhados pelas ruas e incêndios; após a saída do hospício, ao entrar numa igreja, presencia um cenário em que todos os santos se encontram vendados: “se os céus não veem, que ninguém veja"

A obra acaba quando subitamente, exatamente pela ordem de contágio, o mundo cego dá lugar ao mundo imundo e bárbaro. No entanto, as memórias e rastros não se desvanecem.
Voltando a nossa realidade em Macau não obstante comparações dessas podem ser feitas em razão da falta de água que assola o município, comerciantes que aumentam o preço da água mineral para lucrar mais, vizinhos que aproveitam a pouca água que chega e ligam bombas sugadoras nas tubulações para encherem seus reservatórios e deixam os vizinhos a seca, carros pipas vendendo água de péssima qualidade, a CAERN que cobra papéis de água sem disponibilizar o recurso mais precioso da terra, poucas pessoas que possuem poços artesanais em suas casas esbanjado e desperdiçando lavando calçadas, carros enquanto seus vizinhos sofrem sem ter água ao menos para as necessidades básicas.

Alguns bairros e comunidades são bem mais afetadas como Ilha de Santana, COHAB, Canto do Papagaio e AlCANORTE. Será que alguém já parou pra pensar que com o agravamento da crise e com a diminuição ainda mais da pouca água que resta poderemos chegar a barbárie? será que voltaremos a nossos instintos mais primitivos por causa da falta d'água?  se a água acabasse na sua cidade o que você faria? e se tudo voltar ao normal que aprendizado você teve com essa escassez? o que você faria diferente e mudaria em sua vida?

Segundo Saramago: "Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso."
Que aprendamos com o livro ou com o filme sem precisarmos sentir ainda mais na pele os duros efeitos da falta de algo tão simples, mas tão vital quanto a água assim como as personagens sofreram e aprenderam com a perda da visão na ficção. E você já conhecia o livro ou filme? vale a pena ler ou assistir o filme, certamente mudará sua forma de enxergar a vida.

“Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem”

É isso aí

Por Leandro de Souza
Fonte: Ensaio sobre a Cegueira (José Saramago)


0 comentários: