segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

A violência contra a mulher suas particularidades e desafios

Recentemente uma leitora do Blog É isso aí me mandou uma mensagem pedindo para que eu escrevesse algo a respeito da violência contra a mulher, falei com ela que já estava pensando em escrever algo sobre o tema devido aos trágicos acontecimentos no nosso estado em que duas jovens foram mortas a golpes de faca pelos seus ex-companheiros e também por causa da violência doméstica que acontece todos os dias em todo mundo e que atinge todas as classes sociais, do pobre ao rico, da favela ao condomínio de luxo.

Passei alguns dias pensando com quais aspectos eu abordaria o texto sobre a violência contra a mulher até que resolvesse colocar meu ponto de vista no papel, mas um fato curioso e bastante comum na minha profissão de policial e também na minha profissão acadêmica de assistente social ocorreu. 
Na noite do último sábado, 17/12/2016, a minha guarnição do GTO 01 (Grupo Tático Operacional 01) teve que se deslocar da cidade de Macau/RN até a cidade de Pendências/RN para dar um apoio aos policiais de lá em virtude de várias ocorrências que estavam acontecendo simultaneamente na região, enquanto estávamos no auxílio fomos acionados para atender uma ocorrência em que um homem quebrava os móveis dentro de casa e agredia a mãe e as irmãs, fomos até o local e constatamos o acontecido, mas o agressor já havia fugido do local antes da nossa chegada, orientamos as vítimas, que estavam muito nervosas e chorando, de como procederem e elas nos informaram que ele havia sido solto três dias atrás e o motivo da prisão foi justamente ele ter agredido sua ex-companheira e ter sido enquadrado na Lei Maria da Penha. Saímos do local e poucos minutos recebemos nova ligação das vítimas informando que o agressor tinha voltado e as agressões continuavam, voltamos imediatamente ao local com duas viaturas totalizando 7 policiais de serviço (ressaltando que este era todo o efetivo policial militar da região) e ao perceber a chegada da polícia o agressor tentou fugir pulando os muros das casas vizinhas, momento em que foi perseguido por nós e capturado. O mesmo foi algemado e colocado no xadrez da viatura para que fosse encaminhado a delegacia regional onde seriam feitos os procedimentos legais cabíveis e o mesmo seria enquadrado novamente na Lei Maria da Penha (a maioria das pessoas não sabem, mas não é só agredir a esposa que se enquadra na Lei Maria da Penha, agredir irmã, tia, prima mãe, namorada, etc também). Neste momento as próprias vítimas pediram a nós policiais para não levarem ele para a delegacia, o que causou espanto e uma certa indignação de todos que estavam no local, inclusive os vizinhos revoltados. A mãe e vítima do agressor pedia encarecidamente para que seu filho fosse liberado, pois segundo ela ele foi solto recentemente e seria uma injustiça ele ir preso de novo, explicamos para ela e para as demais vítimas que toda a polícia da região se mobilizou para atender o pedido de socorro delas mesmas enquanto outras ocorrências esperavam o atendimento por parte da polícia, mas não teve jeito, todas as vítimas se negaram a ir para a delegacia prestar qualquer tipo de queixa contra o agressor e exigiam a liberação imediata do mesmo se comprometendo até a assinar um termo de responsabilidade pedindo que nenhum tipo de denúncia formal fosse feita contra o criminoso, É nessas horas que eu digo que a polícia foi feita de besta mais uma vez.
Resolvi contar aqui esta ocorrência que é muito comum no dia a dia da polícia; a mulher é agredida pelo seu companheiro ou familiar, aciona a polícia, mas não quer que o agressor seja preso, na maioria dos casos o policial houve a seguinte frase: "eu chamei vocês mas não é pra levar ele preso, eu quero só que vocês deem uns conselhos a ele". Eu duvido que exista um policial no Brasil que nunca tenha ouvido essa frase, sem falar das vezes em que o casal é encaminhado até a delegacia e a vítima se nega a prestar a denúncia, ou desiste ainda na delegacia ou diante do juiz, poucos são os casos em que a Lei Maria da penha é aplicada na sua totalidade por causa que a vítima fez questão de exercer seus direitos.

Acredito que toda Lei é fria e a Maria da Penha não é diferente, é uma lei fria que não leva em consideração o sentimento dos envolvidos. Entre um casal que conviveu intimamente e que praticam ou são vítimas de violência doméstica há sempre um sentimento envolvido, e na minha opinião muitas vezes há a paixão no meio do conflito, daí se teria uma das possíveis causas de uma esposa não querer ver seu marido atrás das grades, pois denunciar o agressor mesmo ele sendo seu companheiro é um ato racional, um ato que envolve mais a razão do que a paixão, mas como todos sabemos a paixão sempre supera a razão, e por isso vemos tantos casos de desistências das denúncias porque a mulher agredida sempre tem a esperança de que aquela agressão covarde não volte a se repetir; ela tem a esperança de que seu companheiro vai mudar e vai passar a tratá-la com o respeito e a dignidade que ela merece. É diferente de uma mulher ser agredida por um assaltante que tomou o seu celular e a agrediu, nesses casos não há sentimento íntimo entre os dois, por isso ela quer e age para que o assaltante seja preso o mais rápido possível e passe um bom tempo preso. Quando o agressor é alguém que ela mantém algum tipo de sentimento íntimo o quadro muda completamente de figura e ela não tem como adotar a mesma racionalidade nos dois casos distintos.
Outro fato que deve ser levado em consideração é a dependência financeira que as vítimas tem dos seus agressores. Não é fácil para a mulher ver seu marido indo parar atrás das grades por causa que ela resolveu denunciá-lo pela Lei Maria da Penha sendo que muitas vezes é o marido quem paga todas as despesas dela, dos filhos e da casa, nesses casos já não é só a paixão o fator determinante, é também a necessidade financeira, nesses casos a esposa é dependente do marido e por isso reluta em exercer seus direitos de mulher e prefere acreditar que tudo irá mudar e que a agressão não passou de um mal entendido, chegando ao cúmulo da própria mulher passar a acreditar que fez por merecer a injusta agressão.
Um fato que me chamou bastante atenção examinando esses casos de violência doméstica é que na quase totalidade dos casos os maridos agressores não negam terem agredido as esposas perante a polícia ou outra autoridade, mas por outro lado é bastante comum presenciarmos as mulheres mentindo para esconderem a agressão; a desculpa é sempre uma queda, um esbarrão num móvel etc. Já o marido agressor muitas vezes confessa até com um certo ar de superioridade que bateu na mulher. Isso sem dúvida acontece em decorrência de uma cultura machista que ainda tem fortes padrões dominantes no nosso país, a começar pelas músicas de baixo nível intelectual e moral que sempre denigrem a imagem da mulher e que para o meu espanto são mais "curtidas" e "propagadas" em sua maior parte por grande parcelas das mulheres, claro que com as devidas exceções, mas o Axé,  o Forró dos dias de hoje e o Funk Carioca são três vertentes musicais em que a imagem da mulher é totalmente desprezada chegando a serem comparadas a cachorra, vagabunda, safada etc. E se você chegar em qualquer ambiente que toque esse tipo de música verá uma grande parte das mulheres presentes aplaudindo e se divertindo ao som de quem as insulta. Nesse ponto tem que se haver uma maior valorização por parte das próprias mulheres que dão ibope para esse tipo de música pornofônicas na maioria das vezes.

No Estado do Rio Grande do Norte neste ano de 2016 já foram assassinadas 37 mulheres vítimas de violência doméstica, o Estado possui apenas 4 delegacias especializadas em atendimento à mulher para atender todos os 167 municípios potiguares. A Lei Maria da Penha contribui muito para que o índice de violência contra a mulher diminuísse 10% nos últimos anos nos casos em que a mulher chega a ser morta pelo companheiro, o chamado feminicídio. Cabe ressaltar que nos casos de feminicídio a mulher já vinha sofrendo agressões dentro de casa, mas que por diversos motivos já descritos nesse texto a mulher continuou mantendo contato com o companheiro até chegar o cúmulo de perder a própria vida. Há também casos em que a mulher já não quer mais nenhum contato com o ex-companheiro e que possui até medidas protetivas expedidas pela justiça contra o mesmo, mas mesmo assim devido falta estrutura e condições do aparato de segurança do Estado para garantir a integridade física dessas mulheres que em alguns casos extremos são assassinadas covardemente.
Na minha opinião A Lei Maria da Penha surge justamente para cobrir mais uma falha das fracas leis brasileiras em que agredir alguém seja quem for essa pessoa não resulta em quase nenhuma punição. Lesionar alguém fisicamente deveria ser um crime punido com o rigor necessário para que o agressor não retornasse a cometer tal ato contra ninguém, mas como não é, e como as mulheres são vítimas constantes de agressões domésticas foi necessário se criar uma Lei específica que atendesse as mesmas. O que de certa a forma chega até a ser algo na contra mão de uma das maiores reivindicações das mulheres de hoje em dia, os direitos iguais. Se as mulheres lutam por direitos iguais, porque se cria leis diferentes para elas? É algo contraditório mas explicável uma vez que todos nós conhecemos mulheres que já apanharam dos seus companheiros, isso mostra o quão banal é tal crime, mas caso o Brasil não fosse um país de leis descartáveis e a lesão corporal fosse um crime que punisse exemplarmente quem quer que fosse, com certeza a Lei Maria da Penha não necessitaria ter sido criada para corrigir falhas no nosso código penal, poderia ter se estabelecido um agravante quando o crime fosse contra alguém do seu convívio, e como na maioria dos casos os agressores são réus confessos, poderia se criar uma espécie de audiência para atender esses casos de violência contra a mulher em até 24 horas, assim como se criou as audiências de custódia em que o preso é encaminhado a um juiz em até 24 horas para saber se a prisão dele foi dentro da legalidade ou não, e que até hoje resulta em mais criminosos soltos do que presos já que todos os criminosos dizem que foram presos injustamente. Se o nosso judiciário foi capaz de criar estas audiências de custódia, porque também não são capazes de criar audiências em que a mulher agredida de posse do exame de corpo delito, ainda com as marcas das agressões, na presença dos policiais que efetuaram a prisão do agressor, e perante a confissão do agressor ou de testemunhas, já se ter uma sentença com pena restritiva de liberdade para esses casos?

Com certeza evitaria muitos casos de feminicídio e de desistências por parte das mulheres vítimas, uma vez que o seu marido já estaria cumprindo a pena, e com certeza evitaria muitas mortes de mulheres que ainda não conhecem e não exercem plenamente seus direitos de mulher.    

É isso aí

Por Leandro de Souza
     

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