Os integrantes das Forças Armadas ficaram de fora da proposta de
Reforma da Previdência apresentada nesta terça-feira por Marcelo Caetano,
secretário do Ministério da Fazenda - segundo ele, as alterações serão feitas
posteriormente, por meio de um projeto de lei específico que contemple as
especificidades da carreira.
Essas
particularidades são o argumento principal usado pelo governo para não incluir
os militares na proposta. Apesar disso, o secretário não estipulou um prazo
para que a medida entre na pauta.
A
exclusão dos militares é considerada por analistas uma das distorções da
reforma, já que o déficit previdenciário atribuído às Forças Armadas é estimado
em 44,8% do rombo, embora seus integrantes representem apenas 30% dos
servidores públicos.
Além deles, policiais civis e
bombeiros também ficaram de fora.
Apesar de o governo citar questões
técnicas para explicar o fato de ter mantido os militares de fora da reforma e
em regime diferenciado, especialistas ouvidos pela BBC Brasil afirmam que há
razões políticas para não se "mexer" na previdência militar.
Reforma x
aposentadoria
O governo afirma que os militares
ficaram de fora da proposta porque não são regidos pelas diretrizes comuns da
Previdência, uma vez que não se "aposentam", mas entram para a reserva,
e podem, em tese, ser chamados para as atividades a qualquer momento.
Ou seja: o benefício não é
considerado uma aposentadoria, mas uma continuidade do pagamento do salário já
que eles continuariam disponíveis para servir às Forças Armadas em situações de
conflito - o que é considerado pelos militares como uma dedicação exclusiva ao
país.
O vice-almirante reformado Paulo Frederico Soriano Dobbin,
presidente do Clube Naval, um dos três principais clubes militares do país,
afirma que essa dedicação é muito diferente da que os trabalhadores comuns
apresentam em suas carreiras.
"Os
militares são diferentes dos funcionários públicos. Nós e os diplomatas somos
funcionários de Estado. Trabalhamos exclusivamente para as Forças Armadas, não
temos hora extra, podemos ficar semanas sem aparecer em casa sem ganhar nada a
mais por isso", diz ele.
"Não
podemos nos sindicalizar nem nos vincular a partidos políticos. É diferente de
um funcionário público. Seria injusto. Isso (a Reforma da Previdência) tem que
ser trabalhada de forma diferente (em relação aos militares)."
Pelas regras atuais, ao contrário dos trabalhadores e servidores
públicos civis, os militares não têm parte do salário recolhido, e é a União
quem paga integralmente o benefício quando o militar entra para a reserva.
Esse
momento se dá depois de 30 anos de serviço militar para homens e 25 para
mulheres. Há uma contribuição, de 7,5% sobre os ganhos, que cobriria apenas o
pagamento de pensões a que os familiares têm direito em caso de morte.
Segundo
Dobbin, "não há privilégio nenhum" nisso.
"Eu,
por exemplo, contribuo com o fundo de pensão dos militares desde 1960, estou
reformado desde 2005, mas continuo contribuindo para o fundo. Não estão tirando
esse dinheiro do erário público, esse dinheiro foi pago. Mas é um fundo que foi
usado (pelo governo) para outras coisas, mas ele saiu do nosso bolso",
argumenta. 'Não é aposentadoria'
O
professor da USP Luis Eduardo Afonso explica que esse é o argumento mais comum
usado pelos militares para justificar a diferenciação dos benefícios e
recolhimentos.
"Há
um entendimento da parte dos militares de que eles não se aposentam, passam
para reserva - podem ser chamados a qualquer momento para defender o país. Se
não se aposentam, não é necessário um plano de custeio. Se não tem
contribuição, não tem déficit, não é aposentadoria".
Além
dessa diferença, o professor da Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da USP José Roberto Savoia afirma que há outra distinção
importante: o valor dos salários.
Para
ele, seria necessário ajustar algumas condições antes de incluir os militares
na reforma previdenciária.
"Existe
uma diferença salarial muito grande entre militares e funcionários do
Executivo. Você quer fazer uma regra equitativa, mas está partindo de premissas
diferentes - salário muito menor do que de funções do Executivo, do
Legislativo, do Judiciário para funções correspondentes."
O peso da política
Apesar
dos argumentos técnicos, o cientista social especialista em economia da
longevidade Jorge Félix cita questões políticas por trás da decisão do governo
de não incluir a categoria na reforma previdenciária.
"Os
argumentos destacam a desigualdade da visão que estão tendo sobre os
servidores. Não está mexendo com os militares, porque se mexer ele (Temer) cai,
perde o apoio dos militares", diz.
"O
lobby dos militares é muito grande dentro do Congresso. O deputado (Jair)
Bolsonaro sobe na tribuna e fala. E legitimamente, porque está defendendo os
eleitores dele. É uma reforma que mantém privilégios patrocinados por aqueles
que dominam o Estado."
O
professor da USP Luis Eduardo Afonso concorda que a decisão do governo de
excluir os militares da reforma se deu para evitar um mal-estar com a
categoria, o que poderia ser potencialmente prejudicial ao presidente Michel
Temer.
"Muito
provavelmente a estratégia do governo se pautou para evitar um confronto com o
setor. Se o sentido é uniformizar regras, deveria ter uma aproximação das
regras dos militares das regras do INSS. É um tratamento diferente demais, e o déficit
é muito grande para não ser incluído nesse pacote."
É isso aí
Fonte: BBC Brasil
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